E eu pensava nervosa: coragem, Ana. Coragem. Com sua voz ao fundo dizendo que Miller já havia imperado suas três mil palavras diárias.
Mas são duas da manhã e meus pais dormem ao lado. Você respira pesadelos terríveis, inimagináveis na minha categoria de que não há pesadelos e todos são sonhos. Apenas sonhos, eu repito.
E você cai, como se a cama fosse um precipício vertiginoso e dorme novamente.
E as putas nas esquinas e os poucos bares ainda abertos e os vigias noturnos não sabem que também trabalho à noite e morro em combate todos os dias.
- Você precisa escrever, Ana.
- Eu sei, eu sei. Eu tento. Mas me assusto com as teclas em sangue e tenho medo dos finais e de todas as palavras que vão me consumindo ao longo das confissões.
Eu quero dizer: quando isso tem fim?
Quando é que o peito se cala, que eu durmo em paz, que a festa no vizinho termina, que o sol nasce e esqueço a vergonhosa tarefa que me coube?
Também não divido com mais ninguém minhas dores. É tudo enganação. Não tem prêmio ou best-seller que me faça estripar todos os meus segredos mais sujos.
Não tem retorno, não há cartas de resposta ou "te entendo muito bem".
Apenas a vontade de fumar outro e outro cigarro. Observar o sol em chamas queimado a noite aos poucos e a sensação de imortalidade quando todos no mundo precisam descansar.
Mas hoje eu te tenho nas mãos. As pernas coladas, o hálito quente em nossa respiração boca-a-boca e a prateleira fantasmagórica calando os gritos de Dostoiévski e Rubem Braga.
Os postes de luz - nossas verdadeiras estrelas de chão quando o céu negro nos esquece e traga todas as nossas esperanças.-
E não tenho medo. Três mil palavras guardadas às três horas da manhã. Enquanto o resto do mundo dorme, assim como você, eu escrevo.
Hoje, eu escrevo.
Tudo me parecia cinza, esparso e também estranho. E o mesmo acontecia com os dias, com as músicas, com a sua face iluminada em um filme noir clássico e impecável. Também as estrelas, o céu sufocante e infinito, o amor que nos aprisiona debaixo das principais constelações, anjos e Beethoven à parte.
Eu via tudo isso e tudo isso me parecia cinza, eu pensava, isso também está dentro de mim, enquanto eu caminho soturno pelos bares e avenidas, respiro, transbordo cambaleante pela superficialidade das coisas.
Profundo, bonito, e muito verdade. Eu também escrevo, quem sabe fique no passado junto com a data no canto da página.
ResponderExcluirA gente sempre para pra pensar naquele alguém, sempre a noite, antes de dormir.
Lindo post.
Vou permanecer por aqui moça. Um beijo. Até logo.
Tiver um tempo, estou por aqui:
semguarda-chuvas.blogspot.com