Tudo me parecia cinza, esparso e também estranho. E o mesmo acontecia com os dias, com as músicas, com a sua face iluminada em um filme noir clássico e impecável. Também as estrelas, o céu sufocante e infinito, o amor que nos aprisiona debaixo das principais constelações, anjos e Beethoven à parte.
Eu via tudo isso e tudo isso me parecia cinza, eu pensava, isso também está dentro de mim, enquanto eu caminho soturno pelos bares e avenidas, respiro, transbordo cambaleante pela superficialidade das coisas.

quarta-feira, abril 4

É categoricamente imprescindível que você saiba e não se esqueça nunca que eu não fui sempre assim: cínica, sarcastiga e egoísta. Neurótica aconteceu no “entre”, durante tudo que eu era e tudo que eu me tornei.

Aí eu rio. Tiro sarro com juventude burra, garotas iludidas, Caio Fernando Abreu e corações perdidos pelo universo. Tem que sofrer sim, tem que amar sim, tem que morrer e renascer todos os dias sim, pra rir de tudo isso hoje.

E me sinto mais amarga. Mais esperta. Mais conectada com a mulher que um dia eu devo ser.

Eu penso: Meu Deus, já sofri tudo que deveria sofrer pra me tornar enfim, uma mulher madura e experiente? E eu quase escuto o ruído das asas de um pássaro. Ou até mesmo vejo um, descendo em queda livre pelo céu quadrado na minha janela. E o que tritura meus ossos e me faz gemer de dor mais uma vez, sentindo no arrepio de toda a minha humanidade e compaixão é: Enquanto o meu céu for o quadrado da minha janela, ainda há pelo que sofrer.

E sei: não sou livre, meu Deus. E nunca serei.

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