Tudo me parecia cinza, esparso e também estranho. E o mesmo acontecia com os dias, com as músicas, com a sua face iluminada em um filme noir clássico e impecável. Também as estrelas, o céu sufocante e infinito, o amor que nos aprisiona debaixo das principais constelações, anjos e Beethoven à parte.
Eu via tudo isso e tudo isso me parecia cinza, eu pensava, isso também está dentro de mim, enquanto eu caminho soturno pelos bares e avenidas, respiro, transbordo cambaleante pela superficialidade das coisas.

sábado, fevereiro 4

Primeira Parte

Carta 1

Querida Eliza,

Hoje eu não sou capaz de dormir. Se você estivesse aqui, agora, eu aproveitaria cada instante para gravar todos os sinais da tua pele. Eu contaria as marcas que eu deixei. Sentiria o cheiro doce do seu cabelo tingido e te diria mais de onze frases, todas em menos de dois minutos e igualmente todas seriam piegas por obrigação. É apenas o meu jeito velado de te fazer rir daquele seu jeito cínico diante da vida.

Eu nunca te contei, mas todas as noites, enquanto você dormia, eu encostava o ouvido no teu peito procurando pelos teus batimentos cardíacos. Você cheirava a lágrimas e seu cabelo fazia desenhos pelas costas. Eu me acalmava tentando acompanhar sua respiração, mas o medo de te perder Eliza, por qualquer segundo, sempre foi mais forte e irracional. Eu precisava te saber ali. E saber que isso e todos os outros sentidos eram reais.

Realidade no sentido sujo e insignificante da palavra.

Não sou tão paranoico como você dizia, Liz. Dentre muitos motivos, descobri que meus medos eram pressentimentos de finais que prevemos enquanto ainda somos crianças. Entre um desses instantes me pesam os segundos que não sinto mais seu coração e você não sobe a coxa sobre a minha.

Como você faz falta. Eu estou inventando frases que você diria, imaginando seus desenhos que correm como sombras pela parede. Hoje é impossível dormir. Como você faz falta Liz.

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