Tudo me parecia cinza, esparso e também estranho. E o mesmo acontecia com os dias, com as músicas, com a sua face iluminada em um filme noir clássico e impecável. Também as estrelas, o céu sufocante e infinito, o amor que nos aprisiona debaixo das principais constelações, anjos e Beethoven à parte.
Eu via tudo isso e tudo isso me parecia cinza, eu pensava, isso também está dentro de mim, enquanto eu caminho soturno pelos bares e avenidas, respiro, transbordo cambaleante pela superficialidade das coisas.

sábado, fevereiro 4

Carta 2

Meu amor,

Desde que você se foi tudo começou a dar errado, desandar mesmo. Os vidros continuam quebrando e nosso piso de madeira já gasto, começa a desbotar. Me sinto parte do chão, dos passos e saltos que atravessam o teto, dos carros que cortam as avenidas disputando corridas de madrugada. Eu presto atenção em tudo. Hoje faltou luz, mas eu não senti nada. Nem mesmo medo.

Eu passei a entender o seu cinismo habitual, a sua dor por tudo que é passado e a sua falta de fé nas promessas de dias claros. "Porque as noites são sempre as mesmas e os finais é a nossa declaração de guerras perdidas há muito tempo."

É tão difícil acreditar em qualquer coisa. As paredes antes mudas, atentas aos nossos suspiros, hoje sussurram pelo silêncio do quarto, ecos do meu coração.

O preço das memórias são pedaços de alma, Elizabeth. Me ensina essa sua autossuficiência e a ser alguém forte, que cai de costas acreditando apenas em olhos fechados. Eu ainda abro os olhos um segundo antes e me agarro aos cantos. É isso e outras coisas menores que me prendem.

Me ensina essa sua coragem fria de ser solidão.

Eu também quero ir embora.

Nenhum comentário:

Postar um comentário