Tudo me parecia cinza, esparso e também estranho. E o mesmo acontecia com os dias, com as músicas, com a sua face iluminada em um filme noir clássico e impecável. Também as estrelas, o céu sufocante e infinito, o amor que nos aprisiona debaixo das principais constelações, anjos e Beethoven à parte.
Eu via tudo isso e tudo isso me parecia cinza, eu pensava, isso também está dentro de mim, enquanto eu caminho soturno pelos bares e avenidas, respiro, transbordo cambaleante pela superficialidade das coisas.

quarta-feira, janeiro 25

A porta abre e fecha. O ventilador berra junto ao meu rosto e eu tenho medo de quem pode me espiar por entre a porta que abre e fecha.

João Cabral de Melo Neto me confessa o pudor de escrever e defecar. E eu fico pasma. Tenho medo de escrever, de quem pode em segredo ver o que eu sussurro em palavras. Meus segredos inconfessos e terríveis de dias cansados, de dias banais e problemas torpes que me pesam como o mundo, e que carrego como meu fardo incompatível. Nem Rodrigues poderia me ajudar a carregar os livros pela ladeira que subo todas as noites por baixo do céu estrelado.

Esse meu pudorzinho de escrever, Meu Deus. De escrever. Fico assustada com as amarras tão visíveis e que parecem inquebráveis.

Nada é pra agora.
É isso que me atormenta.

A solução só existe no amanhã. E tudo é inalcançável diante de todo o meu drama e dos lobos que uivam por entre as frestas do meu muro.

E a porta abre e fecha.

Nenhum comentário:

Postar um comentário