Tudo me parecia cinza, esparso e também estranho. E o mesmo acontecia com os dias, com as músicas, com a sua face iluminada em um filme noir clássico e impecável. Também as estrelas, o céu sufocante e infinito, o amor que nos aprisiona debaixo das principais constelações, anjos e Beethoven à parte.
Eu via tudo isso e tudo isso me parecia cinza, eu pensava, isso também está dentro de mim, enquanto eu caminho soturno pelos bares e avenidas, respiro, transbordo cambaleante pela superficialidade das coisas.

quinta-feira, janeiro 12

Ali na praça da morte, esquina com a minha solidão.

- Só tô seguindo meu caminho, porra.
- Tá Nelson, mas precisa esquecer os amigos? Amigos também fazem parte da vida.
- Caio tô nessa vida sozinho. A vida é solitária demais... as vezes não sobre espaço nem para os amigos.
Soltei a fumaça de lado e não esperei mais resposta.
- Tá Nelson, tá. Então sorte nessa tua vida aí. Só te acho radical pra caralho.
- Tem que ser assim, companheiro. Tem que anotar.
- Eu anoto sempre.
- Eu também... escrevo pra caralho. Mas não dá em nada.
- Nem nunca vai dar.
- Anotado.

Estrangulei a mão dele e desci a ladeira de casa com as malas na mão. Nem táxi chamei que não tinha saco pra enfrentar os sinais de trânsito me parando a cada quadra ou o costumeiro e incoveniente "pra onde tá indo?".
- Tô indo pro inferno, porra. Fica na esquina com a rua 9, ali na praça da morte.

Acendi meu baseado e pensei enquanto a mala marcava à sangue minhas mãos "Os desertos medonhos que encontrarei pela ladeira enquanto procuro eternamente pelo olhar que devorará todo o sangue e suor que escorre pelo meu amor devotado."
- Que clichê, bonito, bonito Anna. Seu olhar me alcança pelo horizonte do oceano. Somente o teu e o teu olhar e a tua solidão que pode se encontrar com a minha e mesmo assim ser incapaz de me afogar.

E isso me lembra outros dias e tempos em que dividíamos a cama e o corpo. Outras décadas, talvez trinta ou cinquenta em que sempre me arrisco e gosto, em que deitávamos a campo aberto em plena cidade de Natal. O poste acendia e apagava ora contornando sua curva e rosto ora escondendo meu tesão e a vontade de agarrá-la pelo pescoço e rabo.
- Nelsinho, eu vivo por dias assim. Por estrelas daquele tamanho (e apontava suas preferidas) e pelo seu peito sem camisa que se arrepia eu não sei se é pelo frio ou porque está do meu lado.
- O que você acha?
- Eu não sei. Mas eu prefiro achar que é por minha causa.
- Então é por sua causa.
- Bobo.
- Sempre fui Anna.
- Eu sei, mas é uma coisa boa Nelsinho. Eu quero dizer, eu gosto.
-  Eu só gosto quando é com você.
- E isso acontece em outras situações?
- Às vezes... (aí eu colocava minhas mãos nos peitos macios e rijos dela e gostava de sentir o peito dela estufando pelo coração que saltava pela pele) quando eu fico triste com a merda do mundo ou quando eu escrevo.
- Quando você escreve você fica bobo Nelsinho? Você parece tão sério e concentrado.
- Eu choro pra caralho Anna.
- Chora?
E ela pareceu surpresa.
- Choro.
E eu fiquei surpreso com isso também.
- Eu choro.

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