Tudo me parecia cinza, esparso e também estranho. E o mesmo acontecia com os dias, com as músicas, com a sua face iluminada em um filme noir clássico e impecável. Também as estrelas, o céu sufocante e infinito, o amor que nos aprisiona debaixo das principais constelações, anjos e Beethoven à parte.
Eu via tudo isso e tudo isso me parecia cinza, eu pensava, isso também está dentro de mim, enquanto eu caminho soturno pelos bares e avenidas, respiro, transbordo cambaleante pela superficialidade das coisas.

terça-feira, novembro 8

Tua cidade de Dezembro

Era assim que nos encontrávamos debaixo do mesmo céu, do mesmo ar ou ar condicionado: com a mala no chão, ao som do toque do aeroporto, dos aviões e as passagens de ida e o peso do mundo que nos oprimia dizendo adeus. Debaixo do mesmo furacão que nos pressionava e empurrava nossos corpos que se chocavam ainda no ônibus que tremia meu corpo, ele me segurava pelo joelho e cintura, nossas bocas se colidiam e as línguas se perfuravam nos nossos beijos que prometiam eternidade. Nossos olhos que escondiam segredos, embora muito óbvios, como para sempre, fugas, mentiras e sacadas, velavam o que era importante do resto do mundo. Ignoravam nossas promessas, todas de aparência banais e clichês. Mas e como eram mesmo banais e como tinham razão e como tudo isso era motivo de orgulho, como era guardado a sete chaves. Como era de extrema importância ser tudo isso e ser nosso. A menina que ele não percebe, mas nos olha querendo sentir uma dor parecida como a das nossas mãos que se despedem. Ela chora enquanto ele caminha ao banheiro escondendo as lágrimas atrás de lentes escuras. Mas é de tarde e não tem sol. Eu me enxergo na menina, na minha vontade de criança de também ter um amor e na mão pesada que batia sobre o meu ombro dizendo que isso não era pro meu bico.

Mas é ele é errado. Ele caminha de um jeito diferente, cospe palavras como ninguém e não tem medo: também não foi feito pro amor. E é por isso que somos inseparáveis, imbatíveis e todas aquelas palavras que ainda inventaríamos para contar, entre brechas, tudo o que somos em presença e segredo.

Juntos pelas nossas falhas, pelas nossas ausências, por tudo que nos foi negado, tudo que nos foi arrancado da mão, por todas as vezes que apontavam o dedo na nossa cara e diziam: não tem conserto.

E nossas mãos se uniam novamente.

A estrela da manhã que brilha toda dia, a minha cama pequena que ficou grande e nos contém, o meio do país que me esconde, natal que se aproxima e engole todo o meu amor.

Mas a estrela nasce, nasce sempre mais uma vez dizendo que é tua, que é nossa. A gente aponta da janela ou conta as imaginárias no nosso teto branco de constelação. O cruzeiro do sul que mostra nossa próxima parada em planos que refazemos a toda instante ora com receio e ora de passagens prontas.

Os livros que abrimos como bíblia pedindo orientação ou proteção. Eles nos mostram previsões de um futuro prometido, que não temos dúvida, mas que gostamos de confirmar através de poesia. E nos achamos profundos e nos encontramos quando todas as outras pessoas do mundo não compreendem ou fazem chacota porque não tem conhecimento de distância, porque tem hora pra cumprir ou porque o amor ficou pequeno perto da ignorância, perto das contas pra pagar e o cansaço que afunda o corpo todo dia no sofá e só tem tempo de acompanhar o amor de novela. Ou o nosso motorista, não o de táxi que quer conversar sobre o nosso chão, mas o outro que nos interrompe e nos fecha as portas um segundo entre. Eu disse: entre. Assim mesmo, porque foi durante nosso beijo de adeus ou até logo, mas que queria ser um: até de noite no nosso hotel e corredor da morte, baby.

Apostamos corrida, te passo medo, você me conta de Mondi e Picasso e eu de Amelia Eartheart. Compramos discos, gastamos toda a grana, passamos frio e recitamos poesia. Nosso amor de quatro paredes ou oito lados como em assaltos de vale-tudo.

Eu te derrubo e sou forte. Ou você me deixa ganhar. Mas dá no mesmo, you know.

O ponto certo, a mala pesada de roupas mal dobradas, amassadas. Nossas mágoas entre a toalha ainda úmida e o lençol usado. Nossa saudade entre o abraço que me faz metade.

Minha tristeza toda devolvida de uma só vez. A chuva que me arrasta sem aviso prévio e diz que não é pro meu bico, não é.

Mas a gente teima.

Ele joga um beijo sorrindo, e eu jogo outro chorando. Tudo dá certo. Eu rezo um pouco. Um casal se senta no mesmo lugar que outro dia sentamos sorrindo e eu mostrava o meu mundo pequeno e que queria à todo custo parecer interessante.

O verde que era uníssomo, o trânsito ou o centro que era o mesmo. Gente de verdade, cansada e que dorme no meio de terremotos. A minha cidade que chora junto comigo. O vidro que escorre por mim.O frio que eu não posso enganar porque agora eu sou uma só.

A janela que o garoto a esquerda fecha, a pedido da menina que ele segura o joelho também, e penso em nós dois quando eu despejava ordens com uma voz infantil e dizia, não se mete com aquelas pessoas, não cheira ou não fuma tanto assim, amor. Apaga o cigarro, joga ele fora e fecha a janela que meu cabelo tá cheio de nós.

Não adiantava, era você que bagunçava o cabelo, abaixava a alça do vestido, me empurrava na cama e me provava que éramos forte o suficiente.

Somos, mais do que nunca, então, fortes o suficiente.

Natal também se aproxima de mim e outros anos que passaremos juntos. Promessa minha.

Te deixo ir somente pra poder ver, de novo, sua cara de susto no meio de um assalto. Porque-eu-sou-mais-forte-e-lá-lá-lá.

Além do para sempre. E reticências.

Porque eu tenho que ganhar de vez em quando também.

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