Tudo me parecia cinza, esparso e também estranho. E o mesmo acontecia com os dias, com as músicas, com a sua face iluminada em um filme noir clássico e impecável. Também as estrelas, o céu sufocante e infinito, o amor que nos aprisiona debaixo das principais constelações, anjos e Beethoven à parte.
Eu via tudo isso e tudo isso me parecia cinza, eu pensava, isso também está dentro de mim, enquanto eu caminho soturno pelos bares e avenidas, respiro, transbordo cambaleante pela superficialidade das coisas.

sexta-feira, agosto 3

Lembra-te de teus amores. Lembra-te, que é tua vez

Hey baby, se você estivesse aqui agora, eu te mostraria em replays perversos como em uma comédia muda, preta no branco, um mundo irreconhecível. Um mundo do qual nunca iremos pertencer, eu suponho.
Algumas coisas permanecem as mesmas, eu quero dizer, o sol, o mar, um dia na praia à revelia de tudo. Ainda não acordo cedo e nem retorno telefonemas. São segredos meus que confesso à você como quem confessa que eu, possivelmente, nunca tomarei responsabilidades na vida e “tudo bem, estou bem assim.” Não quero ir à analises ou ficar curada das obsessões que me perseguem o dia todo. E por tabela, como quem derruba a cada semicerrar de olhos os blocos alinhados em um espiral de encruzilhadas: particularmente deleito-me na cama à base de calmantes e sou muito feliz assim, triste e banida da humanidade que me encanta. 
Continuo me afastando dos bancos, das filas, das pessoas que me assustam por nunca ter ouvido suas vozes ou suas histórias. Penso muitas vezes “São todos fantoches colocados por Deus quando saio nas ruas. Cada qual interpretando seus papéis diante da vida que apenas acontece ao meu lado.” Não correspondo a mesquinharia dos solitários como te pareço assim: nua e dissimulada. É que a vida desde cedo sempre me pareceu individualista por si só. 
As conversas já não me interessam, moun amour, as putas ainda são putas e os vagabundos como eu continuarão vagabundos. Fumando seus cigarros à beira de um quadro do céu, assinado por Renoir. Por outro lado, seu mapa astrológico pairando sobre seus cílios de vidente (errante) me transformaram por inteira.
Eu ardo, mas estou calma. Permaneço muda, estática, faminta sobretudo por coisas que ainda não descrevi ou interpretei. O mundo, como vinha lhe dizendo, eu não mais compreendo. Tomou proporções descomunais em línguas que eu ainda desconheço.
Depois da escola, do intervalo das classes, eu chorava querendo que me servisse esta sina de escrever. Depois disso, muitos outros livros, minha mãe se despedaçando pelo espelho do banheiro e logo depois o meu rosto que envelhecia ao seu lado absorvendo suas dores em forma de neuroses que me perseguiriam para sempre. Foi quando eu descobri que também sofria das mesmas dores universais. Outro fantoche de Deus, eu penso agora.
Por consequência ou desmazelo depois de conhecer você, não houve nenhum outro assunto no mundo sobre o qual eu desejasse escrever. Percebi também que nada soava tão bonito ou tão verdadeiro como quando eu detalhava o seu jeito de acender o cigarro ou o soco na minha cara quando eu insistia em questionar o meu talento. Ou como cantava alto, fazia piadas interessantes e inteligentes, como balançava despreocupado na rede estendida pela varanda. Não havia mais nada no mundo a não ser a varanda, a rede, a ilha que nos esconde entre sombras. Nada como o beijo trocado no escuro dos olhos fechados, mil estrelas enquanto forçava os olhos, tentando me segurar nas beiradas de meus sonhos nítidos.
Você abre a porta.
- Amor, entre o abrir e o fechar dessa porta eu espero o seu retorno. Enquanto isso, escrevo sobre você. E sobre tudo isso. 

(…)

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