Tudo me parecia cinza, esparso e também estranho. E o mesmo acontecia com os dias, com as músicas, com a sua face iluminada em um filme noir clássico e impecável. Também as estrelas, o céu sufocante e infinito, o amor que nos aprisiona debaixo das principais constelações, anjos e Beethoven à parte.
Eu via tudo isso e tudo isso me parecia cinza, eu pensava, isso também está dentro de mim, enquanto eu caminho soturno pelos bares e avenidas, respiro, transbordo cambaleante pela superficialidade das coisas.

sábado, fevereiro 4

Carta 7

Minha,

Passei o dia todo te revivendo e rindo da sua voz de deboche dizendo que “não tem ninguém em casa”. A secretária eletrônica também achava graça, quando em silêncio, escutávamos o sinal e logo depois alguém que atordoado nos procurava com urgência. Ou então nossos pais que não tinham notícias nossas há um mês.

Nós fugíamos do mundo e ignorávamos o céu. Quem mais tinha a nossa coragem de ignorar e desdenhar o céu? Eu contornava tua boca com a ponta do dedo e sorria junto do teu sorriso. Você dizia com raiva que não sabia dançar e eu adorava seu jeito inflexível de não querer aprender. Era tudo tão simples e complexo ao mesmo tempo. Como entender, naqueles dias, que te ver passar o batom rosa chá era fundamental e importante? Que aquele nó mal feito na gravata era especial? Como voltar no tempo e gritar alto no meu ouvido para me importar mais, não deixar perder nenhum detalhe teu. Para prestar atenção. Porque eu não notei que enquanto você ria, havia uma tristeza, ali, no canto da tua boca? Porque eu não percebi que enquanto você suspirava contando estrelas, você inundava cidades? Porque que você não me contou, não me deu murros como aqueles seus e disse para não te deixar afundar assim?

Eu acreditava que era pra sempre, Eliza. Você era a pessimista, não eu. Eu acreditava. E não sabia. Não sabia que, às vezes, você tinha vontade de correr e sentar em algum cais e chorar por tudo que ainda ia se perder. Por tudo que te matava por dentro aos poucos. Por todos os filmes que você precisava viver e a vida limitante e febril que te cortava. Por toda a dor do mundo que você veementemente e com entrega precisava sentir.

(Todas as dores do mundo que já foram sentidas e mesmo assim ainda temos que sentir. Ainda temos tanto para escrever.)

Liz, porque não repartiu tuas cicatrizes, porque eu era metade e você inteira? Porque não te segurei forte pelos pulsos, daquele jeito que você odiava.

Meu amor, eu não soube ler seus sorrisos, nunca entendi seu jeito de cantar ou soprar a fumaça. Não ouvi seus gritos à noite.

Tenho certeza que você nunca quis ser salva e a segurança das previsões eram reconfortantes de alguma forma. Mas ainda assim. Ainda assim, não me perdoo pela desatenção ou medo de sentir o que você abraçava forte.

Eu podia ter te defendido de você mesma. Eu fui cego. Eu fui fraco. Sem você estou pior.

Os dias andam azuis. E a janela continua aberta.

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