Tudo me parecia cinza, esparso e também estranho. E o mesmo acontecia com os dias, com as músicas, com a sua face iluminada em um filme noir clássico e impecável. Também as estrelas, o céu sufocante e infinito, o amor que nos aprisiona debaixo das principais constelações, anjos e Beethoven à parte.
Eu via tudo isso e tudo isso me parecia cinza, eu pensava, isso também está dentro de mim, enquanto eu caminho soturno pelos bares e avenidas, respiro, transbordo cambaleante pela superficialidade das coisas.

segunda-feira, junho 6

É o crepúsculo dos deuses.


Hoje eu preciso te escrever meu amor. Qualquer palavra mais forte, qualquer poema mais egoísta que no fim acabará revelando segredos mais meus do que teus, mas que ainda assim, serão escritos com a única intenção de imaginar qualquer conversa mais significativa, qualquer olhar que me dê mais segurança, qualquer tapa ou beijo que não precisam de ordem porque aconteceram de qualquer forma e talvez ao mesmo tempo. Há tempo para tudo. Mas ainda assim é urgente. Te escrevo porque tenho raiva. Porque isso mesmo André? Porque insistimos infinitamente em sabotagens e finais previsíveis? Porque eu não paro por aqui e te privo de todas as palavras da alma e vou ver um filme, controlo meu impulso insano que não precisa do teu whisky barato para ter coragem. Minhas palavras tem vontade própria. E meu coração sempre foi maior que meu corpo. Maior defeito isso aí. E eu podia culpar os signos e os astros por terem me feito nascer em um outono de Abril e me feito impulsiva e inconsequente, mas no fim de tudo, ainda seria só eu. Encarar meus olhos no espelho e dizer "I'm ready for my close-up". Mas sou covarde. Por isso escrevo. Assim eu logo tiro de dentro e pronto. Fim. Foi-se. Sem medo ou palavras sensíveis e comportadas. A vida é cortante e as letras devem ser febris para aliviar o peso do mundo. Preciso disso também. E sinto tua falta. Como você é ridículo Luíz. Porra. Porque você foi morar no mês de dezembro? Porque é tão viciado nas tuas coisas vazias e teu poço, que nem é tão fundo assim, e que você cava com medo do sol te tocar e perceber que você ainda está inteiro? Porque logo você foi ter consciência profunda do teu charme antiquado e teus gostos de blues e música clássica que me fariam cair mais facilmente?
E eu não posso te esconder o quanto amo, porque amo mesmo, o teu jeito tão novo e que ainda não conheço. Quero que você seja novidade eterna. É possível? Canta Kurt no meu ouvido as três da manhã e me faz esquecer a  desconfiança infinita de que alguém está tentando romper minha individualidade extrema e fundamental, amor. 

Deixa eu te contar sobre hoje: você é invasivo. Aprendi tua mania de não olhar o relógio e hoje por tua, e somente tua culpa, perdi o horário. Cheguei atrasada em todos os lugares. Porque cortou meu sono. Porque você me fez querer sonhar. E eu sou assim "baby". Você está ouvindo seu old Rolling Stones, disco especial edição colecionador, e dirigindo calmamente por rotas-fantasmas a lá filme de terror trash e sentindo o vento a 70 quilômetros por hora no teu chevy impala since 1967 e eu estou passando a 150 quilômetros na tua frente e não posso parar porque Ian já tinha avisado: She's lost control again. Mas ninguém nunca presta atenção. E eu não sei dar passos curtos. E ninguém nunca me ensinou a respirar e não ligar para o primeiro contato do celular as duas e meia da manhã porque a solidão me assusta demais. André, eu não quero apressar nada e como eu disse: há tempo para tudo. Mas minha personalidade e minha alma de escritora porra-loca quero-viver-tudo-ao-mesmo-tempo, mas que continua nesse quartinho-de-gradezinhas-sufocantes-e-totalmente-quebravéis, mas que não tenho coragem de quebrar, porque liberdade também sufoca, não me permite também parar. Eu quero. E tenho o maior defeito do mundo: sou teimosa pra caralho. Quanto mais errado e improvável, melhor. Que droga. Tua cocaína que voa com o vento e me perturba na porta do coração. Não te dei as chaves. Não te dei. E você ainda entra. Como isso mesmo?

Por fim, só quero sentar mais uma vez no teu colo, e você vai fazer qualquer piada do meu tamanho e como eu pareço uma criança mimada e carente e eu não vou te dar atenção, vou tentar olhar dentro da tua alma, e imagino que sem sucesso,  só vou dizer com um biquinho, confirmando minha infantilidade, para sua diversão pessoal e diária, que você não passa de um ridículo. E nada me tira isso da cabeça. 

Cazuza me mandou dizer enquanto canta: o nosso amor a gente inventa pra se distrair. E quando acaba a gente pensa, que ele nunca existiu.
Mas você não é assim. Talvez seu problema seja amar demais muitas pessoas. Quando vai ser O PRÓPRIO AMOR? Porque não venha me dizer que são todos iguais. Sabes que seria mentira. Você tem me dado vontade de escrever novamente. E me feito acreditar que posso. E não sei se posso realmente. I'm a lady, i don't have balls. E que eu faço de toda essa consciência do que sinto, penso e escrevo? Não me parece suficiente e não me traz você. Me sinto impotente e inútil. Minhas letras tão amadas que não te alcaçam. Um voo infinito na nossa constelação. Mensagens e segredos via sussurros estelares. 
E tenho mania de rimar. Já percebeu? E não é intencional. Acho rídiculo. Mas te escrevo com pressa de não perder nenhum pensamento, e não ter tempo de voltar atrás e  não perder minha honestidade tão querida. Acho hipocrisia pior coisa. E evito. Mas caio ser humana, vez o outra. Não me culpe. Eu tento ser mais eu. Mas escapismos e condenações freudianas me impedem também e me faz velha assim como você. Já escrevi algo desse tipo. A gente é novo demais pra ser tão antigo. E mesmo assim somos. Talvez Álvares de Azevedo me ensinaria a amar e morrer por amor também. E seria glorioso. Romantismo coisa mais deep e louca. Morrer aos 27.

Eu espero que o whisky tenha acabado em toda essa tua maldita cidade que resolveu ser longe da minha. Que teus cigarros tenha sumido. Que você esteja bem e sóbrio. E não me importo que você pense na coleira e me imagine, agora, no papel de alguém que precisa estar no controle. Essa é a parte infeliz e irremediável em que você descobre que alguém, há aproximadamente 2.579 km de distância do teu sorriso, se importa com você. E que você não tem poder sobre isso. É inerente e verdadeiro. Te quero muito bem.

Me deixa dormir essa noite, por favor. Te escrevo porque tenho saudades amor, e não sei o que fazer com isso. E o pior: sei que a saudade é só minha.
Agora faltam 998 textos. Mil como prometido, para aprender os acordes da tua sensibilidade. Ainda me sinto pequena, meu André. Posse. Ponto. E você faz falta.

2 comentários:

  1. Ai Ana, que bom que ainda anda escrevendo. Seria um desperdício se parasse

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  2. Tem algum ingrediente nisso tudo que você tem ai que me prende aqui.
    Saudades, Aninha.

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